Se por um lado havia repressão e o milagre econômico dos anos 1970 gerou uma maior legitimidade do regime, por outro, a estabilidade econômica causou uma contradição ao possibilitar a proliferação de espaços sociais LGBT+, como bares, saunas e boates, bem como abriu margem para movimentos de resistência à ditadura por meio da imprensa alternativa. É nesse contexto, comumente chamado de “desbunde guei”, que surge uma contracultura LGBT+ nos teatros de travestis e em figuras como as Dzi Croquettes e Ney Matogrosso. Além disso, é quando nascem tanto o jornal gay Lampião da Esquina quanto o primeiro grupo político do movimento homossexual brasileiro (MHB): o Grupo SOMOS.
Fundador de ambos os grupos, João Silvério Trevisan afirma que, nos anos 1970, havia uma dificuldade enfrentada por pessoas LGBT+, não apenas por conta da repressão do Estado, mas também pelo preconceito sofrido mesmo entre membros de organizações progressistas. No meio dessa dupla discriminação, o papel do SOMOS e do Lampião foi o de colocar a pauta LGBT+ em evidência em meio às disputas pela redemocratização do país.
O SOMOS foi relevante ao se articular internacionalmente contra o processo de censura sofrido pelo Lampião da Esquina. Em conjunto, o jornal e o grupo político também foram importantes para denunciar as patrulhas da Polícia Militar encabeçadas pelo delegado Wilson Richetti, em São Paulo.
Em maio de 1980, durante menos de uma semana, o delegado prendeu mais de 1.500 pessoas. Na época, o Lampião denunciou torturas sofridas pelas travestis autuadas. Ao mesmo tempo, o então militante do grupo SOMOS, James Green, conta que, no dia 13 de junho, o SOMOS se colocou pela primeira vez publicamente, participando de uma passeata contra a opressão promovida pelo delegado.

Registros mostram que o SOMOS se juntou a outros doze movimentos em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, demonstrando uma articulação coletiva contra a violência policial: Movimento Negro Unificado (MNU), Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), Núcleo de Defesa da Prostituição, Associação de Mulheres, Grupo Feminino 8 de Março, Convergência Socialista, Departamento Feminino da USP – DCE-Livre, Grupo Eros – Ação Homossexualista e Nós Mulheres. A organização dos setores democráticos contra a violência levou o secretário de Segurança Pública e os delegados responsáveis a terem que depor na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.