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O senador Abdias do Nascimento no Plenário do Senado Federal
O senador Abdias do Nascimento, um dos maiores líderes do movimento negro no Brasil. Fundador do Teatro Experimental do Negro em 1944, foi exilado pela ditadura militar em 1968 e, na redemocratização, foi eleito para o Congresso, onde foi uma voz pioneira na luta antirracista.

Racismo e antirracismo no Brasil

Por muito tempo, parte da população acreditou que o Brasil fosse um país sem racismo, que éramos frutos de um povo miscigenado – resultante de uma grande mistura étnica e racial – e que vivíamos harmoniosamente nos trópicos. As diferenças e as desigualdades vistas por aqui seriam de classes, ou seja, explicadas unicamente por fatores socioeconômicos. Em contraposição ao sistema de segregação racial vivenciado pelos norte-americanos, até mais da metade do século XX, e em contraste ao modelo de Apartheid vigente na África do Sul até 1994, o Brasil foi descrito por mais de um século como um paraíso de brancos e negros.

Opondo-se a essa visão romântica das relações raciais, surgiram reações ao preconceito racial e em defesa da igualdade individual, que podem ser remontadas, pelo menos, desde a abolição da escravatura em 1888. Foram diversas as ações antirracistas empreendidas por intelectuais, jornalistas, artistas e militantes negros e brancos, mulheres e homens, para superar as barreiras étnico-raciais impostas à população negra que explicitaram uma ideologia das elites dominantes e não a realidade vivida pelos afro-brasileiros.

Em sua obra seminal, “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”,  de 1964, Florestan Fernandes investigou as formas de reação ao preconceito de cor e dialogou diretamente com ex-integrantes da maior organização antirracista emergente desde o término da escravidão, que foi a Frente Negra Brasileira. O sociólogo brasileiro constatou o drama da população negra desde o pós-abolição para se inserir na sociedade capitalista, que ainda apresentava cultura e comportamentos análogos ao regime escravista. Uma vez que o Brasil foi o último país do tráfico atlântico a abolir o trabalho escravo em favor da mão-de-obra-livre, era de se esperar uma investigação de fôlego que demonstrasse os dilemas da integração dos descendentes de africanos na moderna sociedade brasileira.

A tese de Fernandes confrontava diretamente o discurso de que havia convivência racialmente harmoniosa, sem conflitos, preconceitos, desigualdades e discriminações por cor. Quando o autor escreveu sua obra, vigorava a ideia de que a nacionalidade brasileira teria sido formada por uma espécie de democracia entre três grupos étnico-raciais – os portugueses, os indígenas e os africanos. Tratava-se da chamada democracia racial, termo que costuma ser atribuído a Gilberto Freyre, porque este, ao escrever sobre as relações raciais no Brasil colonial, em “Casa Grande e Senzala”, 1933, tratou de assinalar as relações íntimas entre senhores e escravizadas para destacar a emergência de um tipo social novo: o mestiço.

Tal análise foi interpretada por Fernandes como um elogio à miscigenação biológico-cultural, sem que as violências, desigualdades e hierarquizações sócio-raciais fossem levadas em conta na interpretação freyriana, a exemplo das torturas, dos estupros, da separação dos filhos dos pais, castigos brutais e  até assassinatos. Contudo, Freyre não foi o primeiro nem o único a defender a democracia racial como especificidade do povo brasileiro. Tal ideologia de harmonia entre grupos subordinados e dominantes já se fazia notar, desde meados do século XIX. No entanto, a ideia de democracia racial, como nacionalismo político, era sim uma ideologia sofisticada que se desenvolveu ainda no contexto da Primeira República, ampliando-se durante o Governo Vargas.

Os historiadores Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho, em ”Uma história do negro no Brasil”, nos contam que a ideia de democracia racial já aparece nos anos de 1920 e ganhou mais adeptos na medida em que intelectuais negros e brancos realizavam, no plano da cultura, vivências e reflexões sobre a formação do país mestiço enquanto singularidade nacional. Nessa nação imaginada, o samba, a capoeira e o candomblé foram aos poucos incorporados à identidade nacional, e logo tornaram-se exemplos da ausência de racismo. Nesse sentido, o que nos definia como brasileiros seria uma certa fraternidade racial marcada pelo compartilhamento de costumes, religião, raça, língua e memória do passado. Tudo isso garantiria nossa autenticidade como nação mestiça.

Anos mais tarde, questionada pela academia e pelos movimentos sociais, especialmente pelo associativismo e pela imprensa negra, a crença na democracia racial tornou-se insustentável frente às crescentes e numerosas denúncias de discriminações raciais no mercado de trabalho, nas instituições educacionais, no acesso aos estabelecimentos públicos e privados, nas carreiras diplomáticas, nos espaços de lazer e de entretenimento, dentre outros. Destacamos os estudos sobre relações raciais patrocinados pela Unesco no segundo ano pós-guerra, a exemplo dos trabalhos de Roger Bastide e Florestan Fernandes, em São Paulo, e Costa Pinto, no Rio de Janeiro. Aos poucos, parte da população foi se dando conta de que a ideia de democracia racial poderia até ser um ideal nobre, mas não nos blindava da perversidade do racismo nu e cru do cotidiano.

Em vez de democracia racial, passou-se a se falar mais do racismo à brasileira. Um sistema capaz de garantir convivência interpessoal entre negros e brancos, especialmente nas classes populares, e manter intocadas as abismais desigualdades raciais em diferentes esferas da vida. Algumas delas: disparidades educacionais entre negros e brancos, as diferenças  salariais e a superpopulação de pretos e pardos nos trabalhos manuais, particularmente nos empregos domésticos ou na construção civil, sem contar a sua maior presença entre os trabalhadores informais e desempregados, ou mesmo a sua desproporcional presença  nas estatísticas de violência letal no país. A questão racial é fator determinante no ciclo de vida dos negros, do seu nascimento à sua morte.

A partir do entendimento de que o racismo não pode e nem deve ser visto como assunto localizado ou excepcional, cada vez mais cresce a compreensão de que a história social e política do país precisa ser revisitada de modo a dar visibilidade à resistência negra. Sabe-se que um dos efeitos do racismo é o apagamento das experiências dos grupos sociais discriminados. Por isso, é comum a prática de distorção ou de anulação das personagens, das narrativas, dos fatos e das memórias negras na história brasileira. Do mesmo modo, é habitual a ausência de análises sobre as consequências dos processos políticos autoritários sobre a vida dos negros. É com essa realidade que devemos rever o período de 1964 a 1985, a partir da pergunta: Qual o impacto da ditadura militar sobre a questão racial no Brasil?

Frente Negra Brasileira

A Frente Negra Brasileira (FNB) foi criada em 16 de setembro de 1931, na cidade de São Paulo. Formada por negros filhos ou descendentes de ex-escravos, a Frente foi a maior associação do movimento negro da primeira metade do século XX. Dentre os seus objetivos estava o fortalecimento dos laços de solidariedade social da população negra, a criação de estratégias de combate ao preconceito de cor e a garantia da integração dos negros à sociedade brasileira. A entidade foi extinta durante o Estado Novo, em 1937.

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