Falar de Reforma Agrária implica em pensar uma reforma do sistema agrário do Brasil, pela superação do modelo político hegemônico vigente. Um projeto é posto em jogo: o do agronegócio, que expande seu tamanho e poder a partir do controle político e econômico dos territórios em que atuam, implicando as velhas formas de dominação cultural, do trabalho, convertendo isso em capital eleitoral e na ampliação da bancada ruralista em espaços legislativos. Tal processo não garante a produção de alimentos suficientes para a população brasileira, depende de amplos territórios agrícolas e foca em apenas cinco variedades de produção: soja, milho, sorgo, eucalipto e gado de corte, que têm peso nas bolsas de valores internacionais. Esse modo de produção, ademais, é ambientalmente insustentável, pois depende de alta utilização de agrotóxicos, mecanização pesada, uso abusivo de água e alto desmatamento para ampliar suas fronteiras de produção monocultoras.
Um projeto alternativo é o da retomada da Reforma Agrária. Para isso, o primeiro passo é romper com a lógica do latifúndio e democratizar a terra no país, cumprindo o requisito essencial da função social da terra, como consta na Constituição Federal de 1988. Importante demarcar que vivemos um alto impacto ambiental, agravado pelo agronegócio, gerando a maior crise hídrica da história. Recuperar a Reforma Agrária, portanto, deve retomar o controle racional da produção de alimentos, tendo na agroecologia o sistema produtivo necessário para recuperar áreas de proteção ambiental, de recarga aquífera, utilizando outra lógica de produção de alimentos saudáveis, que leve em conta a perspectiva do trabalho a partir do desenvolvimento das cooperativas de agricultores familiares e camponeses. Uma Reforma Agrária que permita a industrialização da produção dos assentamentos com tecnologias de produção de baixo impacto e alta produtividade, que estimule a utilização de defensivos naturais, sementes agroecológicas e rotatividade de culturas, garantindo a base da produção de alimentos saudáveis necessária para a dieta dos trabalhadores do campo e da cidade.
A repressão no campo é uma realidade que precede o período da ditadura militar e que se mantém até hoje: a violência sofrida pela população no meio rural, ainda que seja denunciada, frequentemente não é sequer registrada nas delegacias. As causas institucionais e políticas que restringiram o acesso de camponeses aos direitos da Justiça de Transição, apenas fortalecem o entendimento de que as violências cometidas contra os camponeses no passado precisam ser combatidas, pois, com novas aparências, as violações se repetem insistentemente no presente.