A inclusão dos povos indígenas nos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) teve significado importante para a afirmação do processo de Justiça de Transição em curso no Brasil, pois ampliou o foco dos atingidos, incluindo aqueles que também foram vítimas do modelo de desenvolvimento adotado pelo Estado, proporcionando uma melhor compreensão das graves violações de direitos humanos que ocorreram no Brasil entre os anos de 1946 a 1988, mostrando que a violência não ficou restrita aos grupos políticos que fizeram oposição ao regime após o golpe de 1964, atingindo de forma brutal segmentos sociais que estavam no caminho do progresso.
Diferente do que ocorreu com outros segmentos da sociedade sofreram com a violência do Estado em todo o período estudado pela CNV, rompendo um silêncio sobre estas violências contra os povos indígenas, esquecidas, muitas vezes, nas políticas, lutas e abordagens da Justiça de Transição.
O relatório final da CNV apontou a falta de reconhecimento e demarcação dos territórios indígenas como raiz das graves violações de direitos humanos apuradas, nas quais o Estado brasileiro, por ação e omissão, foi responsável pela morte de ao menos 8.350 indígenas de 10 etnias estudadas, das 305 que vivem no Brasil. Tendo isso em vista, a CNV apresentou 13 recomendações para que o Estado inicie o processo de reparação aos povos originários de nosso país pelas violências sofridas.
O Estado desenvolveu planos para expandir as fronteiras internas, criando cidades, rodovias, ampliando os negócios, as áreas agricultáveis e a infraestrutura para o escoamento de matérias-primas e minerais. Essa expansão significou, para muitos povos, miséria, perseguição, criminalização, prisão, tortura, chacinas, remoções forçadas, desestruturação cultural e comunitária, proibição linguística e cultural, assassinatos de caciques e lideranças indígenas e demais membros das comunidades que lutavam por seus territórios, direitos e cultura.
Na ditadura, onde a violência se acentuou com a Doutrina de Segurança Nacional, a construção de estradas e hidrelétricas, os projetos de colonização de terras para a agricultura e pecuária, a mineração, resultaram em morte, expulsão e remoção forçada de comunidades indígenas inteiras de suas terras e no confinamento destes povos, muitos vivendo em meio a conflitos de forma perpetuada.
A Comissão Nacional da Verdade tirou o foco da violência contra os indígenas praticada pelos portugueses e o colocou sobre a ação do Estado brasileiro, onde as violências sofridas por estes povos indígenas nos anos 1960 a 1980 têm reflexos diretos em todo o período de redemocratização, desde a Constituição de 1988, até os dias atuais, me meio às discussões sobre Marco Temporal.