A Constituição Federal de 1988, considerada o marco legal que levou o Brasil para um regime democrático, determinou a atual configuração da segurança pública brasileira, embora não tenha alterado na essência as características que foram criadas ainda no período da ditadura militar. Assim, nos municípios do país existe a chamada Guarda Municipal, que está ligada ao Executivo Municipal. Esta polícia é civil, pode ou não usar armas e, geralmente, atua vigiando patrimônios públicos (prédios da administração municipal, museus, etc) e o comércio de rua. Em cada Estado, temos duas polícias ligadas ao Poder Executivo Estadual, uma civil chamada Polícia Civil e outra militarizada, chamada Polícia Militar.
A Polícia Civil é responsável pelo tratamento judiciário dos crimes e atua após a ocorrência de um crime.
Já a Polícia Militar é responsável pelo policiamento ostensivo, ou seja, pela vigilância das ruas, atuando na prevenção e na repressão criminal. Existe ainda a Polícia Federal e a Força Nacional, que estão ligadas ao Poder Executivo, fazendo parte da estrutura federal.
As polícias estaduais, Militar e Civil, atuaram de forma muito decisiva para determinar os regimes políticos do século XX, como será apresentado nos tópicos seguintes.
As polícias antes da ditadura
No século XX, e especialmente durante os governos de Vargas, de 1930 a 1945, as forças policiais tiveram um importante papel na sustentação de regimes autoritários. Na época da ditadura Vargas, a polícia era chamada de “polícia política” pois, além de controlar o crime comum nos centros urbanos e rurais – coibindo, por exemplo, roubos, furtos e homicídios, as polícias controlavam também os grupos políticos dissidentes: comunistas, anarquistas, ou membros de partidos políticos adversários, os quais passaram a ser vistos como inimigos do Estado.
Entre 1946 a 1964, o Brasil viveu um período de democracia, cuja base legal foi a Constituição de 1946 que definiu que o sistema público de segurança deveria ser responsável pela manutenção da ordem na sociedade brasileira. Desta forma, cada estado era responsável pela administração, treinamento e controle das ações de suas instituições policiais.
Naquele momento, as principais instituições policiais encarregadas de manter a ordem pública eram a Polícia Civil, a Força Pública e a Guarda Civil. A Polícia Civil possuía mais competências em relação às outras duas corporações. Os seus delegados eram as autoridades policiais, enquanto os policiais da Força Pública e da Guarda Civil eram agentes de execução, designados para o patrulhamento das ruas. Eram de responsabilidade dos delegados da Polícia Civil coordenar as tarefas de policiamento e, ao mesmo tempo, coordenar o policiamento ostensivo. No período:
- A Polícia Civil era encarregada de: autuar em flagrante; efetuar buscas e apreensões; controlar e investigar crimes e conduta política de organizações civis e militares, manter sob vigilância partidos e personalidades políticas; organizar e administrar arquivos policiais; fiscalizar hotéis e pensões, casas de jogos; prestar serviço de identificação, controlar empregados domésticos, menores infratores, prostitutas, mendigos, e a assistência social.
- A Guarda Civil e a Força Pública realizavam o policiamento ostensivo, ou seja, a vigia das ruas, sendo que a primeira era a responsável pelo policiamento nas capitais, enquanto a segunda era preponderante em cidades do interior.
O contexto histórico em que essas formas de atuação da polícia se davam foi um período bastante conturbado no Brasil, marcado por mudanças profundas na sociedade brasileira. A população deixava de ser predominantemente rural, deslocando-se rumo aos grandes centros urbanos. A urbanização acelerada e desordenada, acompanhada pelo crescimento da população e da concentração de renda, pautava o desenvolvimento econômico – o conjunto dessas transformações resultou em diversos problemas sociais. Os discursos políticos e os jornais da época, relacionavam a pobreza à criminalidade, tidas como ônus do desenvolvimento acelerado. Tal associação, naturalmente, teve consequências nefastas.
Os esquadrões da morte
Nas décadas de 1950 e 1960, nos centros urbanos brasileiros como Rio de Janeiro e São Paulo, começam a aparecer os chamados “esquadrões da morte”, grupos de policiais que agiam extraoficialmente, especialmente em periferias, exterminando pessoas tidas como “problemáticas” para a região.
O surgimento dos esquadrões da morte marcou a segurança pública brasileira, pois revelou como as autoridades policiais, sob a alegação de garantir o controle da violência, passaram a usá-la de maneira sub-reptícia, como instrumento de controle do crime. A atuação dos esquadrões da morte, formados por policiais civis e/ou militares, deixou marcas irreparáveis. Mesmo com atuações do Ministério Público, as instituições de controle das polícias pouco têm se dedicado a investigar ou coibir a ação desses policiais.
Vale destacar que estas mortes cometidas por policiais de maneira ilegal e extraoficial, desde aquela época até os dias de hoje, não são contabilizadas como “mortes decorrentes de intervenção policial”. Muitas das pessoas vítimas desses esquadrões são mortas e abandonadas em terrenos baldios ou têm seus corpos queimados, dificultando a identificação. Desta forma, não se sabe quantas pessoas foram e são mortas pelos chamados “Esquadrões da Morte”.
Desta forma, a democracia brasileira teve dificuldades com a implementação de reformas no sistema policial, no sentido de promover práticas condizentes às obrigações constitucionais daquela época e formar uma polícia que se adequasse à paulatina construção de uma sociedade democrática. O obstáculo era vencer as heranças deixadas pelo sistema político anterior – a ditadura da Era Vargas – nas instituições policiais, e passar a atender ao padrão de policiamento dentro da legalidade, em face do crescimento urbano, manifestações civis, além do crescimento da violência e criminalidade. Trata-se de um período em que os policiais prendiam as pessoas por meses para averiguações, sem que houvesse necessidade de registros. Realizavam violentas abordagens policiais, marcadas pela corrupção institucional.