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Memorial aos Perseguidos Políticos
O Memorial aos Membros da Comunidade USP Vítimas do Regime da Ditadura Militar foi inaugurado em 2011, obra idealizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade (NEV). O monumento é uma homenagem aos professores, funcionários e estudantes que foram mortos ou desapareceram durante a ditadura militar e faz parte do projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Processos de reparação no país: a luta dos familiares

Processos de reparação no país: a luta dos familiares

Desde 1970, familiares de vítimas do regime militar protagonizaram a luta por memória, verdade e justiça, promovendo ações judiciais, intencionando que o Estado se retratasse perante os crimes que cometeu contra aqueles que se opuseram ao regime ditatorial. Grande parte dos dossiês sobre as violações cometidas pelo Estado nesse período existe graças a persistência desses familiares, que tiveram apoio fundamental de setores progressistas da Igreja Católica, representados pelas Comunidades Eclesiais de Base, bem como de órgãos protetores de Direitos Humanos que atuavam na política internacional e  chegaram em algumas ocasiões a pressionar o Estado brasileiro a se retratar.

Durante o regime, o papel das missas católicas realizadas após assassinatos e desaparecimentos configurava uma importante forma de resistir à invisibilidade de silenciamento dos crimes praticados pelas forças ditatoriais. Esse silenciamento e invisibilidade perdurou por muitos anos e a luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos foi imprescindível para que não caíssem no esquecimento.

Uma das primeiras conquistas institucionais fundamentais dessa luta foi a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, instituída em 1995, com a Lei nº 9140, órgão que tem como finalidade o reconhecimento de pessoas mortas e desaparecidas, o fortalecimento na busca dos corpos desaparecidos através de grupos de pesquisa e investigações, bem como a emissão de  pareceres sobre os requerimentos relativos à indenização formulados pelos familiares das vítimas. Desta forma, esta Comissão impunha ao Estado a responsabilidade de procurar e reconhecer às pessoas que foram mortas pelas ações de perseguição política, vinculando a isto uma indenização financeira para os familiares. Desde sua criação, mais de 355 familiares foram indenizados.

Após este primeiro avanço em direção a um reconhecimento institucional por parte do Estado brasileiro e muitas reivindicações, arquivamentos de casos, manifestações da sociedade civil e de profissionais da área de direito, saúde, educação e da pressão de órgãos de direitos humanos internacionais, cria-se outra comissão com escopo mais amplo. A Comissão de Anistia, órgão do Estado brasileiro ligado ao Ministério da Justiça, criado em 2001, com o objetivo de permitir que aqueles que sofreram atos de violações de direitos humanos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 viessem a público exigir a condição de Anistia Política.

A Comissão vale-se do nome Anistia para subverter o modo como essa palavra está marcada na história brasileira. Refere-se à Lei da Anistia de 1979, que tem sua redação ambígua ao equiparar atos como os de tortura e execução de presos e ocultação de cadáveres aos crimes cometidos pelos que se opunham ao regime, produzindo um silenciamento entre as desigualdades de tais violações e, assim, a perpetuação da impunidade. Aqui, pode-se entender que a saída de um Estado de exceção por via de negociações que instauraram tais ambiguidades e contradições dificultaram a criação de condições para a reconstrução de um Estado democrático de direito, ou seja, um Estado que preza pelos direitos fundamentais de seus cidadãos.

Uma anistia ampla, geral e irrestrita pode ser vista como uma aposta no esquecimento como solução, que poderia anular todos os atos cometidos e abrir espaço para um recomeço conciliador. Contudo, outros processos de transição de períodos autoritários, como os da Alemanha com ao nazismo, o da África do Sul com apartheid e estudos que abordam a temática, apontam majoritariamente que o reconhecimento e responsabilização dos atos de violência de Estado, assim como a promoção de ações de memória quanto a eles, em oposição a um esquecimento, são necessários para um processo de reparação psíquica e política. Considerando isto, a proposta de uma anistia como anulação de tudo o que ocorreu pode ser vista também como uma alternativa conveniente àqueles que ocupavam posições de poder durante o regime militar e não queriam ser destituídos, e não como uma conciliação entre diversas partes para a coesão e paz social.

Com a Comissão de Anistia, os atos de reparação e reconhecimento do Estado se ampliaram. Se antes, com a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, o Estado focava na busca e identificação das pessoas assassinadas e a indenização financeira aos seus familiares, agora estavam também contemplados aqueles que haviam sido presos, torturados, exilados ou sofrido outros tipos de danos físicos e morais motivados pela perseguição política. A reparação se dava, principalmente, pela via de indenizações que eram recebidas e julgadas por um processo burocrático comum, sendo que a Comissão de Anistia recebeu mais de 75 mil solicitações.

Estas pessoas, uma vez que tivessem seu processo aprovado pelo Ministério da Justiça, recebiam indenizações financeiras de dois tipos. Se a pessoa foi afastada de seu emprego por conta da perseguição política, ela passa a receber um valor mensal equivalente. Para as pessoas que não tinham renda fixa, mas tiveram sua progressão de carreira e vida impedidas, é oferecida uma indenização única de acordo com o período de perseguição, sendo o valor de 30 salários mínimos para cada ano de perseguição política, com limite de 100 mil reais. Contudo, esta reparação via indenização financeira que ocorria de modo burocrático, individual e pouco transparente, apresentava alguns problemas.

Um deles, por exemplo, é que as indenizações muitas vezes eram recebidas pela opinião pública e meios de comunicação como uma espécie de privilégio, pois estas indenizações não vinham acompanhadas de promoções de eventos públicos nos quais estas pessoas podiam narrar suas histórias e vincular este benefício à sua história de sofrimento. Um outro problema é que a condição de anistiado político e as indenizações individuais que a acompanhavam podiam ser importantes para uma pessoa ou família que via ali uma forma de reconhecimento do Estado, mas faziam muito pouco para transformar a nossa sociedade, já que recebiam pouca visibilidade. Um terceiro problema é que a indenização financeira pode ser importante para garantir o restabelecimento da qualidade de vida e tem seu valor simbólico de pedido de desculpas, mas, na ausência de outras formas de reconhecimento, acaba colocando a reparação como uma transação financeira, como se uma vida destruída tivesse um preço, dificilmente contribuindo para uma reparação psíquica àqueles que sofrem com os traumas causados pela violência. Para evitar essa mercantilização, a reparação financeira deveria vir acompanhada de outros atos de reparação psíquica e coletiva e, para isto, foram tomadas algumas medidas, como a implementação das Caravanas de Anistia e dos projetos Marcas da Memória e Clínicas do Testemunho.

As ações coletivas de reparação psíquica

As Caravanas de Anistia eram sessões públicas nas quais os conselheiros da Comissão de Anistia ouviam os testemunhos daqueles que foram afetados pela ditadura, prestavam homenagens a certas pessoas ilustres da resistência ao regime ditatorial e envolviam atividades culturais e educativas. Desta forma, os processos de anistia ganhavam outra dimensão, assumindo um caráter verdadeiramente público e implicado nos processos sociais. Como forma de gerar mais acessibilidade ao passado, ocorreram sessões de apreciação pública dos pedidos de anistia em escolas, universidades, associações, sindicatos e demais lugares marcados pela história das perseguições denunciadas. Nelas, eram feitos pedidos de perdão por parte do Estado àqueles que ali sofreram suas violações, buscando instituir uma quebra no silenciamento presente em tais espaços. Ocorreram mais de 90 caravanas pelo território brasileiro entre 2008 e 2016.

O projeto Marcas da Memória tinha como objetivo dar voz aos testemunhos não só de dores e violências sofridas, mas de atos de resistência e luta e envolviam quatro tipos de ações:

a) Audiências públicas para a escuta de testemunhos;
b) Entrevistas para o registro da história oral das pessoas afetadas (estas entrevistas estão registradas e disponíveis para acesso);
c) Editais para entidades da sociedade civil que desempenhem projetos de preservação e divulgação de memória, como filmes, exposições artísticas e locais de memória;
d) Publicações de livros de memórias de perseguidos políticos, trabalhos acadêmicos, anais de eventos, entre outros.

Desta forma, o projeto Marcas da Memória buscava coletar testemunhos, preservar a memória e promover atos simbólicos de reconhecimento. Houve editais do projeto Marcas da Memória de 2010 a 2013, mas deixaram de ocorrer de 2014 em diante, com a justificativa de restrições orçamentárias.

A função da Comissão de Anistia enquanto órgão de reparação foi constantemente aprimorada ao desenvolver os trabalhos em uma tentativa de interlocução com a sociedade civil, buscando fomentar um espaço de reconhecimento e de produção ativa da memória coletiva. Estas transformações mostram que a política de reparação da Comissão da Anistia foi sendo feita, até um determinado momento, em construção com a sociedade civil, buscando incorporar as ressalvas e novos entendimentos que surgiam sobre a reparação e a anistia.

A partir de 2012, com a implementação da Comissão Nacional da Verdade, também pode ser constatado um crescimento no movimento pela Memória, Verdade e Justiça, de modo que se formaram diversos coletivos, comitês constituídos por ex-presos políticos e jovens sensibilizados pelas temáticas, bem como Comissões da Verdade estaduais e municipais espalhadas pelo território nacional.

Foi em decorrência de todos esses avanços, no entendimento do que deveria ser um processo de reparação pelo Estado, e da constante luta dos familiares e movimentos sociais a reparação psíquica com ações terapêuticas, que se planejou um programa de reparação psíquica aos afetados pela violência de Estado, culminando no desenvolvimento do projeto Clínicas do Testemunho. Após 12 anos de construção da política de reparação, era evidente que ela necessitava de dispositivos capazes de tornar público os testemunhos e promover a memória de nossa história, portanto, este projeto não poderia se limitar a realizar atendimentos individuais, mas em realizar ações clínico-políticas que também visavam o tratamento psíquico de ex-presos políticos e seus familiares. Além disso, o projeto Clínicas do Testemunho teve outra ampliação no público beneficiado pelas ações de reparação do Estado, ao pensar como a população em geral sofreu com ações autoritárias e medidas socioeconômicas que aumentavam a desigualdade social dos períodos de exceção.

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