A origem das prisões e a razão de sua existência
A punição por crimes sempre existiu na história da humanidade. Até o início do século XIX, as prisões eram locais destinados à contenção temporária de pessoas que aguardavam a sentença definitiva ou a execução de suas penas.
As prisões, tal qual as entendemos hoje, como edificações amplas, altamente protegidas, para segregar pessoas no cumprimento da pena de privação da liberdade, passaram a ser utilizadas a partir de 1821 – quando foi instituída a Penitenciária da Filadélfia (Eastern State Penitentiary ou Cherry Hill). Antes, presos provisórios e condenados eram abrigados em casas de correção, as quais, como o próprio nome indica, eram locais cuja aparência se assemelhava a residências.
O uso da prisão como resposta ao crime se baseou em crenças na racionalidade das penas, na possibilidade de recuperação dos criminosos, e no desejo de findar o arbítrio. Por exemplo, enquanto em uma cidade um furto poderia custar a vida de uma pessoa, na cidade vizinha gerava apenas a obrigação de devolver o bem subtraído. Nesse cenário, um grupo de pensadores defendia o fim das penas cruéis e a prisão parecia a melhor solução para o problema; já outro grupo via a prisão como um lugar em que a pessoa pudesse se transformar em alguém útil para a sociedade.
No entanto, a principal razão para instituir as prisões como locais para segregação de uma grande quantidade de pessoas, resultou do medo que imperava nos Estados Unidos, provocado por rápidas transformações sociais. Vivia-se uma época de rompimento com as concepções tradicionais de religião e de família, as quais se juntavam à afirmação das liberdades individuais e os crescentes conflitos sociais.
Assim, as prisões – de fato – não surgiram da real necessidade de se reduzir a criminalidade, nem como uma resposta ao crime. Mas da tentativa dos governos de aplacar o medo da desordem social e afastar do convívio das “pessoas de bem” todos aqueles cujo comportamento ameaçava as formas tradicionais de vida em sociedade.
No entanto, o sistema prisional não tem cumprido com as expectativas criadas em torno dele, como a ressocialização ou a redução da criminalidade. Ao contrário, transformou-se num espaço gerador de crimes, de tortura, de condições sub-humanas, entre outras formas de violações. Mesmo assim, a sociedade tem se recusado a substituir as prisões por outras formas de resolução de conflitos menos violentas.
No Brasil, o quadro não tem sido muito diferente. Logo após a inauguração das grandes penitenciárias nos Estados Unidos, e mais tarde na Irlanda, o país enviou representantes para conhecê-las e importar – sem críticas – os modelos adotados. Ao inaugurar a Casa de Correção do Rio de Janeiro, em 1850, por exemplo, estabeleceu o mesmo sistema de segregação, mas preferiu manter o nome “Casa de Correção”. Essa convivência de velhas e novas práticas irá marcar as prisões brasileiras ao longo da história.
As prisões na ditadura
Até o início da ditadura militar de 1964, não havia um número muito grande de penitenciárias e o principal uso destas era para a privação da liberdade. Durante o período ditatorial, as prisões também passaram a ser utilizadas como locais de tortura contra os opositores políticos. Embora presente em períodos anteriores, o uso da tortura de forma sistemática, cotidiana, e sob patrocínio do governo, é uma marca da ditadura.
O regime ditatorial perseguia e encarcerava os chamados subversivos – aqueles que se opunham ao regime, ou que tinham pontos de vista políticos que eram considerados “ameaçadores” à ordem pública. Para tanto, montou-se uma estrutura repressiva que, em parte, estava formada por centros legais e ilegais de detenção, por “setores de inteligência” que deveriam obter informações dos presos lançando mão de métodos cruéis de tortura e, também, por grupos que simplesmente eliminavam figuras consideradas como opositores, “subversivos” ou indesejáveis.
Toda essa máquina repressiva e as prisões de subversivos tinham a função de retirar da sociedade as pessoas que agissem, pensassem e se expressassem de maneiras consideradas perigosas para a ordem estabelecida, e visava também provocar os mais distintos medos e terrores nos opositores políticos. Ambas as funções buscavam eliminar qualquer oposição à ordem que ameaçasse a existência do regime, de maneira direta ou indireta.
Na década de 1970, em São Paulo, por exemplo, um grupo de policiais civis, conhecido como Esquadrão da Morte – liderado pelo famigerado delegado Fleury – torturava e executava presos políticos. Mas, as prisões seguidas de torturas, mortes e desaparecimentos não se restringiam aos opositores políticos. Elas se estenderam aos presos comuns. O Esquadrão da Morte, articulado com grupos de traficantes e comerciantes, também retirava presos comuns e presos considerados perigosos para os “negócios” do Presídio Tiradentes para executá-los e abandoná-los em locais ermos ou valas comuns.
Prisão e transição democrática
A abertura democrática foi um período de muitas tensões para o sistema penitenciário. Durante o governo Franco Montoro (PMDB), eleito governador do estado de São Paulo, em 1982, o secretário de Justiça do estado, José Carlos Dias, apresentou um projeto de humanização das prisões. Entre outras propostas do projeto, estava a abertura para o diálogo com a comunidade prisional, por meio da criação das comissões de solidariedade. O projeto do secretário Dias foi veementemente atacado pela imprensa e boicotado por agentes penitenciários que discordavam de suas propostas. José Carlos Dias não conseguiu levar o projeto adiante e a administração prisional interrompeu qualquer forma de diálogo coletivo com os presos.
O sucessor de Montoro, Orestes Quércia (PMDB), juntamente com seu secretário de Segurança e sucessor, Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), construíram várias unidades prisionais pelo Estado. Em vez de apostar na tentativa de diálogo, como Franco Montoro e José Carlos Dias, passaram a usar a Polícia Militar para intervir nas crises prisionais. O resultado foi desastroso. As rebeliões e reivindicações de presos passaram a ser sufocadas com violência e mortes.
O auge dessas intervenções foi o Massacre do Carandiru, quando a Polícia Militar, liderada pela ROTA, ingressou na Casa de Detenção, em 02 de outubro de 1992 e executou 111 presos.
A partir de então, os presos começaram a se articular para resistir às investidas violentas do governo, sendo que um grupo deles formou o Primeiro Comando da Capital (PCC), que é possivelmente a principal organização de presos do mundo.