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O tema da tortura no trabalho da CNV

A Comissão Nacional da Verdade dá um grande destaque ao tema tortura – uma das marcas mais terríveis da ditadura militar brasileira – na medida em que uma de suas obrigações legais foi a investigação dessa e de outras graves violações de direitos humanos cometidas pelo regime. Nesse sentido, o relatório final da Comissão expressa em sua totalidade as diferentes dimensões que a prática da tortura teve durante a ditadura.

Para além dos capítulos que foram dedicados diretamente ao tema (Parte III do Relatório), é possível perceber que a disseminação da tortura pelos órgãos de informação e controle é uma das características mais marcantes do regime militar brasileiro. Assim, o relatório destaca, por exemplo, a criação da EsNI (Escola Nacional de Informações), do SNI (Sistema Nacional de Informações), além de todo uma rede de órgãos (DOI-CODI, DOPS, CISA, CENIMAR, CIE etc.) que praticaram tortura de maneira indiscriminada e sistemática durante os anos de chumbo. Desde centros clandestinos até hospitais públicos foram utilizados com a finalidade da tortura, seja para a obtenção de informações, ou para provocar sofrimento em forma de intimidação e castigo.

Esse aparato, que visava inibir a luta por direitos na forma de organizações políticas mais ou menos radicalizadas, provocou danos diretos e indiretos difíceis de mensurar. Não se sabe dizer ao certo quantas pessoas foram torturadas por razões políticas durante a ditadura militar brasileira. Porém, é certo que ela se deu em grande parte dos casos oficialmente reconhecidos de mortos e desaparecidos políticos, cujas mortes envolveram a perseguição de todas e todos que compunham as organizações de oposição ao regime.

Ao mesmo tempo, merece destaque a maneira como a Comissão Nacional da Verdade conduziu suas investigações e reconhecimento das vítimas de tortura. Muitas delas prestaram depoimento tendo ainda ocorrido audiências públicas em que tais histórias puderam ser compartilhadas com a sociedade a partir do relato dos próprios atingidos. Além de ser fundamental, do ponto de vista reparatório, o protagonismo dos atingidos pela violência de Estado nos processos de transição é entendido como uma boa prática para fins de não-repetição de violações de direitos humanos. Foram 80 audiências em 14 Estados do país, as quais estão disponíveis no canal do YouTube da CNV.

Outros órgãos de Justiça de Transição no Brasil fazem este tipo de trabalho, como a Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça. A Comissão de Anistia, que oferece reparação econômica, psicológica e simbólica para os atingidos pela ditadura militar, conta com um acervo de mais de 70 mil processos. Muitos dos processos motivados pelos danos provocados pela tortura.

Para além da investigação dos casos individuais, a CNV realizou diversas diligências oficiais para inspecionar locais onde a tortura era praticada durante o regime militar. Ao todo, foram 11 inspeções como essa nos estados do Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo. A Comissão verificou a existência disseminada desses locais no período, o que foi possível a partir do reconhecimento que ex-presos fizeram desses lugares, além de documentos e denúncias que apontavam a sua existência. 

No dia 27/11/2013, a Comissão Nacional da Verdade e as Comissões estadual e municipal de São Paulo entraram na área onde funcionou a Oban e o Doi-Codi do II Exército, entre 1970 e 1977, na rua Tutoia, em São Paulo, para realizar o reconhecimento formal do local como um centro de tortura, morte e desaparecimento de pessoas.

Embora a CNV não fosse um órgão com poderes judiciais, não se pode ignorar que seu mandato fosse também um instrumento de Justiça. Com efeito, ao garantir plenamente o direito à memória e à verdade, conhecido como o direito de saber, por parte das vítimas e da sociedade, a CNV também investigou a autoria das graves violações de direitos humanos. Neste trabalho, 111 agentes militares foram convocados a prestar esclarecimentos, dentre os quais 65 compareceram. Ao final de seu relatório, a Comissão identificou 377 agentes responsáveis por violações de direitos humanos, inclusive por praticar tortura.

Por fim, no último capítulo de seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade reconhece a persistência do quadro de graves violações de direitos humanos no Brasil após 1988, especialmente com relação à tortura. Assim, é com base nas análises históricas e institucionais feitas pela CNV e pela persistência das violações de direitos humanos, que o órgão elenca uma série de recomendações para reformas institucionais do Estado brasileiro. Além de uma série de ações durante o período em que desenvolveu os seus trabalhos, a Comissão elaborou a seguinte recomendação em seu relatório final:

Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura

Identificada nas investigações conduzidas pela CNV como uma das graves violações de direitos humanos que ocorreram de forma generalizada e sistemática na ditadura militar, a tortura continua sendo praticada no Brasil, notadamente em instalações policiais. Isso se deve até mesmo ao fato de que sua ocorrência nunca foi eficazmente denunciada e combatida pela administração pública. Recomenda-se, portanto, a criação de mecanismos, inclusive comitês, para prevenção e combate à tortura em todos os estados da Federação, com a participação da sociedade civil, conforme preceituado na Lei nº 12.847/2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. (Relatório da CNV, Volume 1, p. 968)

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