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O enfrentamento à tortura no Brasil

O combate à tortura e o tema da privação de liberdade mobilizam amplos setores da sociedade civil brasileira. Apesar da realidade adversa, este é um campo que ainda conquista avanços e faz transparecer nacional e internacionalmente as mais profundas contradições do Estado brasileiro.

Organizações surgidas ainda durante a ditadura militar, como o Grupo Tortura Nunca Mais e a Pastoral Carcerária, e novas organizações, fóruns e movimentos sociais, contribuem de maneira crescente para esse debate. Dentre as diversas perspectivas a iluminar o caminho de prevenção à tortura, se destacam aqueles que denunciam o racismo institucional, a redução da maioridade penal, o superencarceramento de mulheres, a seletividade contra moradores de favelas/periferias, a defesa ao abolicionismo penal, o antiproibicionismo em relação às drogas, a luta antimanicomial, as iniciativas de reparação integral para as vítimas de tortura, a luta pelo direito à Memória e à Verdade das violações de direitos humanos, a criação de espaços de memória em locais simbólicos da violência de Estado, bem como as que se posicionam contra toda forma de violência institucional e pela defesa dos direitos humanos. Atores que se posicionam nos mais diversos espaços e que assumem as mais variadas dinâmicas de engajamento, mas que compõem uma rede essencial para a transformação da realidade atual.

Ainda assim, existem iniciativas possíveis de preencher as lacunas deixadas pelo Estado,  por exemplo, a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 347, do Supremo Tribunal Federal (STF), que coloca diante do tribunal a tese do Estado de Coisas Inconstitucional, segundo a qual o sistema prisional brasileiro estaria, em sua totalidade, em desacordo com os princípios da Constituição Federal de 1988. Caso julgue a tese favorável – constatado em exame preliminar – o STF seria responsável por costurar uma grande agenda política no país, reunindo esforços dos diferentes Poderes e esferas de Governo, a fim de estabelecer um programa de transformação do sistema prisional. Ainda no STF, duas ADPFs questionam a validade da Lei de Anistia, de 1979, de forma a submeter sua interpretação aos preceitos da Constituição Federal de 1988, em caso interposto pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em um caso interposto pelo Partido Socialismo e Liberdade.

Ainda no âmbito do Poder Judiciário, a apresentação das pessoas presas em flagrante até o prazo de 24 horas diante de um juiz, também tem sido uma tentativa de prevenir a tortura e as prisões arbitrárias. A realização das audiências de custódia tem sido incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça, e vem sendo implementadas aos poucos pelos Tribunais de Justiça estaduais. Entre 2015 e 2016, essas audiências aconteceram como projetos pilotos nas capitais, tornando possível e necessária a ampliação das audiências de custódia para todas as comarcas do país.

Com relação à política sobre drogas, é importante considerar que há uma grande dificuldade em ver este tema ser debatido amplamente pela sociedade. No entanto, existem iniciativas pontuais que merecem destaque. Recentemente, por exemplo, em relatório publicado em janeiro de 2016, o Relator Especial da ONU recomendou que o Brasil reforme sua política sobre drogas. O Mecanismo do Rio de Janeiro replicou esta recomendação em seu relatório de 2016, mostrando que vem ganhando força a pauta de regulamentação e descriminalização das drogas. Embora não se verifiquem iniciativas concretas no âmbito do Poder Legislativo, o Supremo Tribunal Federal vem consolidando entendimentos importantes no sentido de relativizar a obrigatoriedade de prisão provisória nos casos de tráfico de drogas, vedando que os juízes o façam com base na periculosidade genérica do crime, muitas vezes cometido sem uso de violência, por pessoas com bons antecedentes e que não fazem parte de organização criminosa. Também no STF, teve início em 2015 o exame do recurso extraordinário nº 635.659, em que se discute a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, e que pode trazer critérios mais claros para as acusações de tráfico de drogas, como a adoção de parâmetros baseados na quantidade de droga apreendida, previamente fixados.

Outra iniciativa que merece ser observada é a organização de comissões da verdade preocupadas com a prática da tortura. Entendendo que mesmo durante a democracia o Estado brasileiro vem protagonizando sistemáticas violações de direitos humanos, foi criada no Rio de Janeiro a Subcomissão da Verdade Mães de Acari, vinculada à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, e que reúne pessoas e organizações que atuam no campo dos direitos humanos. A subcomissão tem como objetivo investigar fatos e circunstâncias relacionadas às violações de direitos humanos cometidas entre 1988 e 2018, tendo adotado eixos de trabalho como execuções sumárias, torturas, desaparecimentos forçados e violência no campo. A Subcomissão funcionou por três anos (2015-2018), nos quais promoveu, além das investigações, audiências públicas, debates, testemunhos públicos e editou um relatório final com recomendações ao Estado.

Por fim, agendas importantes como a desmilitarização das polícias, a independência dos órgãos de perícia, a independência das corregedorias e ouvidorias das polícias, sistemas prisionais e dos órgãos de controle do sistema de justiça, embora sejam pleiteadas por organizações e movimentos de direitos humanos, não tem encontrado respaldo em iniciativas concretas do Estado brasileiro. Nesse sentido, a atuação dos Mecanismos Nacionais de Prevenção no Brasil se torna ainda mais importante, de forma a denunciar a tortura e dar efetividade ao que foi recomendado pela Comissão Nacional da Verdade em seu relatório final.

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