A desvinculação da perícia oficial da estrutura das polícias também é requerida por organismos internacionais. Segundo o Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no Crime de Tortura, elaborado pelo Grupo de Trabalho “Tortura e Perícia Forense”, instituído em 2003, na Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Nigel Rodley, em visita oficial ao Brasil, no ano 2000, constatou que delegados e investigadores procuram induzir o trabalho pericial de médicos-legistas em exames de corpo de delito em razão de suspeita de crime de tortura. Do mesmo modo, detentos disseram ao relator da ONU que frequentemente eram levados aos exames periciais nos Institutos Médicos-Legais pelos próprios torturadores, que os intimidavam e ameaçavam para constrangê-los a não falarem sobre as violências sofridas.
Por sua vez, a Anistia Internacional recomenda aos governos dos Estados brasileiros que “instituam unidades forenses totalmente independentes e proporcionem aos detentos acesso imediato à assistência médica especializada independente, especificamente em caso de denúncia ou suspeita de tortura ou maus tratos.” A adoção destas medidas e outras que constam no mesmo documento, são necessárias para assegurar a proteção aos Direitos Humanos e evitar a prática do crime de tortura no país.
Ainda no plano das recomendações internacionais, é importante destacar o relatório “Fortalecendo a Ciência Forense nos Estados Unidos: um caminho para o futuro” (Strengthening the Forensic Science in United States: a Path Forward, 2009). O documento foi publicado pelo Comitê para a Identificação de Necessidades da Comunidade de Ciência Forense, ligado à Academia Nacional de Ciências, dos Estados Unidos, a pedido do Congresso Norte-americano. O documento trata da situação das ciências forenses no país, apresentando também recomendações com o objetivo de estabelecer uma agenda política para o desenvolvimento da área. Sobre a independência dos laboratórios de perícia forense, dizem os pesquisadores estadunidenses: “A maioria dos laboratórios de ciências forenses são administrados por agências de aplicação da lei, tais como departamentos de polícia, onde o administrador do laboratório reporta ao chefe da agência. Este sistema leva a reservas significativas relacionadas com a independência do laboratório e seu orçamento. Idealmente, os laboratórios públicos de ciência forense devem ser independentes ou autônomos em relação a agências de aplicação da lei. Nestes contextos, o diretor teria uma voz igual aos outros no sistema de justiça em questões que envolvem o laboratório e outras agências. O laboratório também seria capaz de definir suas próprias prioridades no que diz respeito aos casos, despesas e outras questões importantes. (…) Por fim, os laboratórios de polícia científica seriam capazes de definir suas próprias prioridades orçamentais e não teriam de competir com as agências de aplicação da lei.”
Assim, segundo o documento, a independência dos laboratórios de perícia da estrutura administrativa dos órgãos de aplicação da lei poderia assegurar, por um lado, maior confiabilidade às análises periciais, colocando-a no mesmo patamar das investigações conduzidas pelas polícias jurídicas e, por outro, autonomia orçamentária necessária para garantir os aportes de recursos exigidos pela natureza técnica do trabalho pericial.
A partir destas recomendações internacionais, muitos países decidiram tornar a perícia oficial independente dos órgãos de Segurança Pública. No Chile, por exemplo, está ligado ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, e tem como atribuição assessorar diretamente os Tribunais de Justiça e o Ministério Público em matéria médico-forense. Na Colômbia, há um órgão nacional responsável pelo governo de todos os institutos de criminalística e institutos de medicina legal: trata-se do Instituto Nacional de Medicina Legal y Ciencias Forenses, vinculado à Fiscalía General de la Nación, um órgão independente do sistema de justiça colombiano cuja principal tarefa é investigar e processar os acusados de haverem cometido algum tipo de crime. Na Espanha, o Instituto Nacional de Toxicología y Ciencias Forenses também é ligado ao Ministério da Justiça, enquanto os órgãos policiais subordinam-se ao Ministério do Interior. Modelo semelhante foi adotado em Portugal, onde o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses responde ao Ministério da Justiça. Todas essas situações revelam outros modelos de organização funcional e administrativa dos institutos e organismos responsáveis pela perícia criminal, que visam garantir as condições necessárias para a realização do trabalho pericial de acordo com parâmetros estabelecidos internacionalmente.