A privatização dos complexos penitenciários é um fenômeno recente no Brasil. A primeira experiência aconteceu em 1999, no Paraná. À época, o modelo não foi bem sucedido, sendo abandonado pouco tempo depois. Em 2006, alguns estados do Brasil voltaram a apostar no modelo privatizador, que voltou a crescer e segue se expandindo.
As privatizações, segundo aqueles que as defendem, deveriam ser feitas prioritariamente por intermédio das chamadas Parcerias Público Privadas (PPPs). O sistema de cogestão ou as transferências para organizações não governamentais (ONGs) são os modelos que têm predominado nas privatizações das unidades prisionais.
Entre algumas das possíveis formas de privatização, estão:
- Por meio de contratos de PPPs – as prisões são projetadas, construídas, financiadas, operadas e mantidas por companhias privadas, durante um período de até 30 anos.
- Em sistema de cogestão – a iniciativa privada assume toda a operacionalização interna da unidade: escolta interna, serviços de saúde, de manutenção etc. Esses contratos são mais curtos, geralmente de cinco anos.
- Operadas inteiramente por ONGs – esta transferência de gestão supostamente custaria menos para o Estado. Mas o que se tem visto é que tais ONGs acabam funcionando como empresas, dado os altos salários pagos aos seus funcionários.
Embora os entusiastas da privatização apregoem que prisões privadas são melhores porque ressocializa os presos, não foi possível comprovar qualquer benefício a estes. A iniciativa privada se mostra oportunista, pois com o avanço do encarceramento e as constantes críticas à capacidade do Estado de gerir prisões com segurança, investidores enxergam uma oportunidade de fazer dinheiro com a privação da liberdade.
Um dos fatores que pode explicar o aumento do interesse da iniciativa privada nas prisões, vistas como mais um negócio que pode ser bastante rentável, é o fato de que o mercado de segurança privada já está esgotado há muito tempo e foi praticamente loteado por empresas de segurança – criadas muitas vezes por oficiais da Polícia da reserva, aposentados ou fora de serviço.
As unidades prisionais podem, em pouco tempo, se tornar um empreendimento muito lucrativo: em seis meses, uma empresa de engenharia é capaz de construir um presídio em condições de abrigar novos presos. Em menos tempo ainda, é possível a uma empresa contratar agentes de custódia e pessoal técnico-administrativo. Tudo isso, tem consequências severas sobre os direitos das pessoas privadas de liberdade, dado que, nas empresas, prevalece a busca pelo lucro, sem que haja quaisquer preocupações sociais e humanas.
Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal – que impõe limites aos gastos públicos com a contratação de pessoal – serviu como incentivo à privatização. Os governantes preferem gastar quantias imensas transferindo dinheiro para a iniciativa privada, em vez de investir na contratação de novos agentes penitenciários, pois assim o gasto público com a contratação de pessoal é reduzido. No entanto, ao agir dessa maneira, o Estado perde a possibilidade de controlar a quantidade e a qualidade dos funcionários que trabalham nas prisões.
O encarceramento em massa, combinado com a agenda neoliberal de enxugamento da administração pública, criou as condições perfeitas para transformar a privação da liberdade em objeto de lucro.
Consequências da privatização das prisões
As experiências de privatização dos presídios têm sido nefastas para os presos e para a sociedade em geral. O maior problema é de ordem ética, visto que a liberdade pessoal se torna uma moeda de troca, ou uma “coisa”. O que passa a importar, nesses casos, é quanto vale cada preso em termos financeiros, o que coloca em segundo plano quanto vale sua vida e sua dignidade.
Um segundo aspecto é que a iniciativa privada funciona em termos de maximização dos lucros e minimização dos custos. Assim, por exemplo, gastos com material de higiene e alimentação são reduzidos ao mínimo. De uma maneira geral, os investimentos necessários para o funcionamento da infraestrutura de uma prisão ficam aquém do necessário, pois os gastos estão submetidos à lógica do lucro.
Por fim, as unidades privatizadas buscam a eficiência em termos de redução de distúrbios – rebeliões, fugas, mortes etc. – a um custo muito alto para os direitos individuais. Em algumas unidades privatizadas, os presos são mantidos em quase absoluto confinamento, com restrições do direito de visitas, sem acesso a jornais e revistas e são autorizados a assistirem apenas a programação religiosa na TV, entre outras proibições.
Ainda que não seja possível estabelecer uma correlação direta entre a privatização e o mau funcionamento da administração prisional, pode-se dizer que a privatização dos presídios, como forma de reorganizar as administrações dos mesmos, é consequência da ausência de políticas públicas na área, ou de uma “política de ação afirmativa carcerária”.
A despeito do frequente uso da justificativa de redução da reincidência, não há dados confiáveis e sistematizados, nem estudos cientificamente embasados que confirmem essa avaliação. Além disso, não há nada mais falso do que criar um vínculo causal entre tratamento penitenciário e reincidência. A reincidência é produto de múltiplos fatores, dentre eles a trajetória de vida, a idade, a marginalização social, o desemprego, a dependência química, a saúde mental. Mesmo para aqueles que se dedicam a analisar de perto este problema, tem sido um desafio determinar porque as pessoas deixam de praticar crimes ou voltam a cometê-los.
Embora se reconheça a vida na prisão como elemento para entrada, ou reincidência em práticas criminosas, ela é somente um fator dentre tantos outros. Além disso, o próprio conceito e os limites da reincidência têm sido objeto de controvérsia, o que torna injustificado utilizá-la como indicador para medir o desempenho das unidades prisionais.
Assim, a privatização dos presídios é uma das consequências mais nefastas do avanço de uma política neoliberal que aposta no sucateamento do serviço público e no encarceramento em massa de populações vulneráveis. Além de não trazer benefícios aos presos, a privatização impõe severas restrições às liberdades.
Em geral, as prisões funcionam como mecanismos modernos de segregação de grupos indesejáveis. Se a escravidão já não é mais justificável e se as torturas são menos toleradas, as prisões funcionam como perfeitos substitutos dessas formas de opressão. A transição para a democracia não desfez a violência do Estado, apenas a sofisticou, convertendo as penas corporais por segregações em massa. As unidades privatizadas só têm aprofundado esse processo.